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Mimicat: A voz de Portugal na Eurovisão

Aos 38 anos, uma canção mudou-lhe a vida. Pôs os portugueses a trautear “ai coração” e “as pulsações subiram quase pra mil”. Venceu o Festival RTP da Canção e, agora, afina a voz para representar Portugal na Eurovisão. Ao cabo de anos atrás de uma oportunidade, Mimicat é a estrela de quem se fala.

© Créditos: Joana Jacques

Ana Sofia Fonseca (Texto) Joana Jacques (Fotografia)

A vida é uma caixinha de surpresas?

E algumas são completamente inesperadas. Nunca achei possível o que me está a acontecer.

Quando subiu ao palco do Festival da Canção acreditava na vitória?

Não! Na final, achava que não ia ganhar porque, principalmente o Edmundo, estava com muito apoio. Como sempre achei que não era boa nestas coisas de concursos, julguei que ia morrer na praia, como de costume.

Morreu muitas vezes na praia?

Sim, muitas…

38 anos. É tarde ou cedo para andar nas bocas do mundo?

É a idade certa. Na verdade, nem acho que isso exista. Quando se vê atores que trabalham há tanto tempo e só mais tarde é que recebem reconhecimento, percebe-se que não há uma idade certa para o que quer que seja.

A Cesária Évora, por exemplo, só aos 50 anos é que começou a ter sucesso.

É um dos exemplos. Apesar da complicação de agora ter filhos pequenos, acho que é bom ter maturidade para lidar com a situação sem me deslumbrar, sem cair naquela fábula de “isto é a minha vida agora”. Não, isto é uma coisa que vai passar.

São quatro da tarde e o telefone de Mimicat não para de tocar. Traz uma mala com uma muda de roupa, o olhar apressado. Mal entra no Fox Trot, um bar junto à Praça das Flores, em Lisboa, estanca o passo: “Este sítio é perfeito!”. Há dias assim, em que o impossível acontece e ela sabe bem disso. Ainda há pouco, andava a vender casas e agora ganhou o Festival RTP da Canção. O telefone imparável: entrevistas, viagem, figurino... E o pior de tudo: “Tenho de gravar o videoclip esta semana e ficámos sem espaço”. Olha à volta, a decoração vintage e um tanto kitsh mexe-lhe com os sentidos. “Ai, esqueci-me de pagar o parquímetro!” Estudou Som e Imagem, traz no pensamento o videoclip que quer. Num ápice, imagina enquadramentos, as bailarinas a cantar acolá, ela atrás do palco. E já a palavra estendida ao dono do bar: “Deixa-me filmar aqui o videoclip de “Ai Coração”? Um dia depois, “ação!”.

Subiu ao palco do festival como Mimicat. Quando é que a Marisa Mena viu nasceu a Mimicat?

A Mimicat nasceu quando estava a estudar Som e Imagem, nas Caldas [da Rainha]. Cantava numa banda, mas já sabia que queria o meu projeto a solo. O nome e o projeto surgiram antes sequer de haver canções. Mimicat era o meu projeto, a minha marca...

Já está cansada de explicar o seu nome artístico? (Risos) É sempre aquela pergunta.

É assim, faz parte.

Também lhe devem estar sempre a perguntar se é mais Marisa ou Mimicat.

Também, mas lá está, faz parte. No fundo, a Mimicat e a Marisa misturam-se muitas vezes.

Uma é mais extrovertida que a outra?

Quando subo ao palco, a Mimicat sobressai mais.

Porquê Mimicat?

Porque Marisa era muito aborrecido e já havia a fadista. Tive de pensar num nome que fosse sonante, que se conseguisse dizer em qualquer língua e que descrevesse bem aquilo que eu queria fazer, que era uma fusão de muitas coisas. Na minha família, as madrinhas são Mimis e eu tenho uma afilhada que já é uma mulher, pelo que já era Mimi há muitos anos. Mas também achava Mimi pouco. Só quando juntei Cat é que pensei: “Pronto, está feito. É isto”.

Como é que foi pisar o palco do Festival RTP da Canção?

Quando entrei no estúdio, pela primeira vez, fiquei muito emocionada. Apesar de ser um estúdio de televisão pequeno, era a primeira vez que eu estava a ver tudo montado e era um palco que ambicionava muito pisar. Foi uma sensação de deslumbramento!

Em miúda, cantarolava canções do festival?

Ah, claro! A minha carreira começou por causa de “Chamar a Música”. Cantei esse tema na festa de final de ano da escola primária e houve tanta gente a dizer aos meus pais que tinham “de pôr a miúda na música”, que eles lá perceberam que deviam impulsionar o sonho. A partir daí, tudo começou. Aos nove anos, gravei o meu primeiro álbum.

Como é que se chamava esse primeiro álbum?

“Canções Infantis Para Dançar”, acho eu. No outro dia, fiz um vídeo a mostrar as canções.

Eu vi e fiquei a ouvir “A Loja do Mestre André”.

As canções populares estavam lá todas … “Apanhar o Trevo”, a “Tia Anica do Loulé”, “A Loja do Mestre André”…

© Créditos: Joana Jacques

Canta para os seus filhos?

Canto, claro. Principalmente, na hora de dormir.

O que é que costuma cantar?

Os clássicos do Festival. Principalmente, a “Cinderela” do Carlos Paião, “Ele e Ela” da Madalena Iglésias e “Balão Sobe”. Mas também canto outras coisas. Às vezes, canto as minhas canções recentes, fiz uma para eles. Também invento histórias em canções, uma espécie de discos pedidos com histórias, que é o que o meu filho mais gosta. Pede-me para cantar a história do não sei quem, por exemplo, do lobisomem que foi comer o menino que se portou mal. E eu lá invento uma canção que é a história do tal lobisomem (risos).

Está a criar músicos?

O Freddy, o mais velho, não tem interesse rigorosamente nenhum por instrumentos. Já o mais novo fica louco com instrumentos e com música.

O seu marido também está ligado à música?

É músico. Toca vários instrumentos e já fez a direção musical do meu espetáculo.

A família é o porto-de-abrigo. Tem dois filhos, um rapaz com quatro anos e outro que acabou de celebrar o primeiro aniversário. Foi com os pais, o marido e os filhos que mais festejou a vitória no Festival RTP da Canção. De certa forma, o Festival faz parte dos seus dias desde o começo: “Crescemos todos com o Festival, não é?” A trautear “Sobe, sobe, balão sobe”, “Quem faz um filho/ Fá-lo por gosto”, “Já fui conquistador”, “Quis saber quem sou/ O que faço aqui”... Criado em 1964, o Festival cedo se assumiu como uma lança na Europa. Mimicat está sentada numa mesa da esplanada, abana a mão como quem afugenta o calor. Ajeita o cabelo louro, o desassossego: “O parquímetro, o parquímetro! Já me devem ter multado! Tenho de abrir a aplicação!” E o telefone a tocar: “Estou numa entrevista, não posso falar, mas já encontrei sítio para o videoclip”.

A canção “Ai coração” é o seu passaporte para a Eurovisão. Já a escreveu há algum tempo, não foi?

Escrevi esta canção em 2014, quando estava quase a lançar o meu primeiro álbum. Aconteceu no chão de uma casa, à espera de uma pessoa. Estava aborrecida, não tinha nada para fazer. Ainda não havia redes sociais, portanto não ficava agarrada ao telefone. Comecei a cantar, a olhar para o tecto, “ai coração… ai coração”. E, imediatamente, soube que tinha ali qualquer coisa de interessante. A letra da canção, tal e qual como a conhecemos, ficou feita em cinco minutos. Só faltava o último refrão. Lembro-me que pensei em dar a canção a outra pessoa.

Porque não ficar com ela?

Porque não escrevia em português. Aquilo foi uma canção isolada, achava péssimo tudo o que escrevia em português.

Então, não foi a primeira canção que escreveu em português.

Foi a primeira canção que escrevi em português que achei decente. Eu tentava compor em português, mas achava sempre que ficava horrível. Aquela não. Gostei dela porque era completamente diferente do que fazia. Então, pensei que teria de a dar alguém porque nas minhas mãos nunca ficaria bem.

É aí que aparece a Ana Bacalhau?

A Ana Bacalhau foi a primeira pessoa a quem pensei dar a canção. Depois, lembrei-me da Gisela João, da Ana Moura, sei lá. Entretanto, desisti de dar e pensei criar um projeto à parte para isto.

Chegou a falar com elas?

Nunca, foram sempre coisas da minha cabeça. Às vezes, nem me lembro que fiz isto, mas cheguei a convidar a Luísa Sobral, a Ana Bacalhau e a Capicua para fazermos uma espécie de “Lady Marmalade” com a canção. Mas nunca lhes mandei sequer uma demo, elas nunca ouviram a canção. Com a Capicua nem cheguei a falar, acho eu.

É caso para dizer que há males que vêm por bem?

Vou dar a canção, vou fazer a canção, vou esquecer a canção… Há cinco anos, tentei fazer uma demo, mas não correu nada bem. Depois tentei com outros produtores e também ninguém conseguia fazer uma coisa de jeito. Então, às tantas, pensei que a canção não ia a lado nenhum. Mas este ano decidi submeter ao Festival.

Como é que aconteceu essa reviravolta?

Quando recebi o email a dizer que estava a acabar o prazo para concorrer, pensei: “Tenho um álbum para lançar, se for selecionada, é uma boa promoção para o disco”. Submeti a canção e nunca mais pensei no assunto. Nem contei a ninguém que tinha enviado, nem à minha mãe nem ao meu marido.

Deve ter sido uma surpresa descobrir que tinha sido selecionada. Como é que soube?

Quando me ligaram, já nem me lembrava mesmo que tinha enviado a canção, sou muito distraída e tenho má memória. Estava em estúdio a acabar o novo álbum, pelo que não podia atender o telefone e havia um número que não parava de me ligar, cheguei a pensar, “que pessoa tão chata, sempre a ligar”. No final da gravação, comecei a retomar as chamadas e uma delas era do Nuno Galopim. Eu nem sequer sabia quem ele era! Foi um momento muito feliz.

Há uma parte visual muito forte na apresentação. Tem o seu dedo?

Tudo tem o meu dedo. Tudo o que é meu tem o meu dedo. (Risos). Sou o que se chama uma control freak. Sofro um bocado, quero controlar e quero ter a unha em tudo... E, às vezes, não dá.

Quem são as bailarinas que a acompanham?

São duas amigas. Começámos com a Vanda, que é quem coreografou, e com a irmã dela. A Vanda já era minha amiga, pensei logo em chamá-la para coreografarmos. Depois adicionamos os rapazes, que também são amigos chegados delas.

A roupa também é pensada por si?

Lá está, tudo tem o meu dedo. Mas nesse capítulo faço sempre consultoria com o meu melhor amigo, que é stylist, e vemos as coisas juntos.

Ensaiaram muito?

Sim, um bocadinho. Ensaiamos na YouDance, onde a Vanda e a Inês dão aulas.

Como é que a sua família viveu a vitória?

A minha mãe ficou histérica, a minha mãe e o meu pai ficaram muito felizes.

© Créditos: Joana Jacques

Para eles, também foi a concretização de um sonho?

Sim, sabiam o quão importante isto era nesta fase. Assistiram à semifinal no estúdio e à final em casa, com os meus pequenos, para o meu marido poder ir à final. Ficámos todos felizes! Finalmente, tivemos um momento de reconhecimento que valeu por estes anos todos.

A seguir à vitória começou a ser bombardeada com mensagens e com convites?

Sim. Antes da final, e até mesmo da semifinal, já estava com muitos pedidos de entrevistas. Mas, depois da vitória, fiquei literalmente com as horas todas preenchidas. Ainda não consegui descansar um dia.

Mas deve valer a pena, há pouco disse ter a noção de que isto é um período.

Sim. Só que como já dura há quase dois meses, torna-se cansativo.

Recebeu alguma mensagem que a tenha tocado particularmente?

As pessoas são uns amores. Havia comentários nas redes socias que descreviam melhor a minha canção do que eu descrevo.

© Créditos: Joana Jacques

Isso é bonito.

As pessoas conseguem ler melhor aquilo que fiz e que tive intenção de fazer do que eu consigo dizer.

Ainda se emociona a falar disso.

Porque acredito que a magia da música é tocar nas pessoas de uma maneira imprevisível. Houve pessoas que enviaram mensagens a dizer que estavam a passar por momentos difíceis e que a canção lhes trazia a alegria que já não sentiam há muito.

Sempre que fala do presente, Mimicat emociona-se. Anda numa roda-viva, os sentidos à flor-da-pele. Ensaios, entrevistas, a roupa escolhida para cada evento. Daqui a nada, estará a cantar em Liverpool, a terra dos Beatles. Se tudo correr bem, há-de ficar por lá uns 15 dias. Mal pode com a excitação, só a certeza das “saudades que doem” dos filhos lhe ensombra o olhar. Marisa Mena, mais conhecida por Mimicat, veio ao mundo em outubro de 1984, pouco depois de António Variações se finar e meses antes de Mário Soares assinar o tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), embrião da União Europeia. O país parava para ver o Festival e a miúda colava os sonhos ao ecrã da televisão a cores. Agora, faz parte do evento e luta para igualar o feito de Salvador Sobral em 2017, a primeira vitória portuguesa na Eurovisão.

Como é que uma pessoa que não está no radar consegue vencer?

Através do Festival. É uma plataforma como não existe mais nenhuma.

Dedicou a vitória “a todos os outros underdogs que andam por aí há séculos a tentar sem uma oportunidade”.

A tentar ter uma oportunidade e não conseguem porque é difícil. Eu falo por mim, passei pelo mesmo.

Quando olha para o antes da vitória é assim que se vê: uma underdog?

Claramente. E isso não muda radicalmente só por ganhar o Festival. Atenção, isto é só um passo. É uma mudança significativa, mas há muito a fazer no pós-festival.

O mundo da música pode ser um mundo cão?

É um mundo-cão. Qualquer mundo das artes é muito difícil. Na verdade, há poucos lugares para muita gente em todas as áreas – só há falta de pessoas na construção civil e nas limpezas. É muito difícil arranjar lugar e defender uma identidade, desistir é sempre a opção mais fácil.

Ou a mais difícil.

É difícil mas, às vezes, custa menos desistir do que estar a levar com nãos a vida toda.

Ser mulher pesou no seu percurso?

Gosto de pensar que não, mas tenho quase a certeza que sim. Parece que há uma caixinha onde todas temos de caber, se não coubermos não sabem o que é que hão-de fazer connosco. Penso isto, mas também acho que se calhar não é bem assim. As circunstâncias e as evidências provam que é, mas não sei se estou certa.

Há um antes e um depois do Festival da Canção. Como é que era a sua vida antes?

Trabalho no imobiliário há anos e seria incapaz de trabalhar numa área que não gostasse ou numa empresa em que estivessem a mandar em mim o dia todo. Precisava de flexibilidade para continuar a fazer música de uma maneira livre. Nunca quis cantar em bares e fazer covers porque achava que perderia a minha identidade enquanto cantora. Escolhi ter outro trabalho para ter a liberdade de fazer a música que quisesse. É claro que se paga um preço por se fazer a música que se quer e gerir a carreira como se quer. O preço talvez tenha sido esperar dez anos para ter algum reconhecimento.

Onde é que a podemos encontrar a vender casas?

No centro de Lisboa.

Apanhou as várias fases do mercado imobiliário na capital?

Comecei na crise, vi o mercado a subir... Agora, estou a deixar a área na perspetiva de consultora, como investidora continuo ativa.

Há truques para vender casas?

Não acredito nisso. O que importa é o vendedor ter certas características, é fundamental saber ouvir e ser perspicaz a procurar.

É muito fácil vender casas no centro de Lisboa?

Não é assim tão fácil. Apesar dos preços estarem loucos, já foi um mercado mais de comprador do que é. Quando apareceram os vistos Gold, era muito fácil porque não havia critério. Mas num mercado sustentável, não é assim tão fácil.

Qual é que foi a casa mais cara que vendeu?

Foram prédios na casa de milhões.

Há uma especulação muito grande no mercado imobiliário. O que é que isso diz de Lisboa?

Estamos a vender para fora e não para dentro, a maioria das casas em Lisboa são vendidas a estrangeiros. O português comum não tem capacidade para comprar em Lisboa. Creio que não espelha muito bem o cenário do país, mas retrata uma cidade que está, cada vez mais, a tornar-se uma das grandes capitais europeias.

Quando andava de carro, entre uma casa e outra, em visitas, cantarolava?

Não sou a típica cantora que anda sempre a cantarolar. Em casa, até tenho vergonha de cantar alto…

Durante algum tempo foi vocalista dos “The Casino Royal”. Como é que foi a experiência?

Boa e má. Boa porque foi aí que comecei a desenvolver a minha personalidade de palco, a compor e a escrever, que aprendi a ser performer. Deu-me liberdade para criar coisas muito teatrais e cinematográficas. Má porque qualquer banda tem chatices. Eu era um bocado baldas, portanto, também não sou um membro de banda maravilhoso. Mas o tratamento de alguns rapazes, às vezes, era um bocadinho machista. Enfim, fiquei muito amiga de um, os outros não são importantes na minha vida. Só dois é que me deram os parabéns por ter ganho o Festival.

Lançou-se a solo em 2014 com “For You”. Em 2016, lançou um novo álbum e acabou por fazer uma digressão. Por onde andou?

Basicamente, em Portugal e no Brasil. Corremos Portugal de Norte a Sul e fizemos três concertos no Brasil, em São Paulo.

Depois da experiência na Eurovisão, gostaria de fazer uma digressão pelo chamado Mercado da Saudade? Luxemburgo, Bélgica, França…

É claro que sim! Gostaria imenso.

No palco, quando olha para o público o que é que gosta de ver?

Gosto de ver felicidade na cara das pessoas. A conexão com o público é o que me alimenta.

© Créditos: Joana Jacques

Conte-me uma história de um concerto.

Houve um rapaz, em Ponte de Lima, que me pediu para anunciar que ia pedir a namorada em casamento. Ou terá sido em Coimbra? Agora já não me lembro. Foi o pedido mais excêntrico que tive.

Por falar em excêntrico, gosta quando dizem que é um bocadinho excêntrica?

Adoro, claro! (Risos) Sou mesmo um bocadinho excêntrica.

Até 2019 escrevia somente em inglês. Porquê?

Porque ouvia pouca música em português. A minha habilidade para escrever ou para me expressar era muito maior em inglês. E a métrica é mais simples, até as frases pirosas soam bem em inglês. Em português, para não soar piroso é uma luta.

Aprendeu inglês apenas na escola?

Sim.

Ainda se lembra das aulas de educação musical?

Odiava e era péssima. Odiava tocar flauta, ainda hoje não sei tocar. Tinha zero predisposição para instrumentos. Aos 11 anos, a minha mãe pôs-me a aprender teclado e eu odiava tanto aquilo que quis sair. Bem me arrependo, se tivesse aprendido na altura, hoje seria muito melhor pianista do que sou.

O piano foi uma paixão tardia?

A minha paixão pelo piano é muito preguiçosa. Dedico-me o suficiente para me conseguir acompanhar, porque não consigo tocar e não cantar.

Fez o ensino primário e secundário em Coimbra. Guarda muitas memórias?

Lembro-me bem de cantar nas festas da escola primária. E recordo-me de ser muito Maria-Rapaz, na escola andávamos todos à porrada.

Ainda levou alguma reguada?

Reguada não levei, mas tenho uma memória muito má... Lembro-me da professora me bater com a cabeça no quadro… Nunca contei à minha mãe porque tinha muita vergonha.

Na adolescência ainda era a miúda que cantava nas festas?

E era gozada por causa disso.

Tentou entrar nos grupos infantis, como os Onda Choc, que estavam na moda na altura?

Nunca tentei, fui sempre a solo. Fiz o Big Show SIC e esses programas todos. Era super gozada na escola por causa disso.

Cresceu na cidade dos estudantes. Também se viu metida em serenatas?

Estudei lá, usei traje, fui às festas todas, era uma boémia incrível… Fui praxada e gostei, mas tentei praxar e não gostei. A partir daí, deixei de me identificar com a vida académica. Achava as serenatas uma seca.

Coimbra fica longe do mundo ou é o centro do mundo?

Hoje é mais longe do mundo. É a minha cidade e tem um lugar especial no meu coração, mas sempre quis bater as asinhas.

O primeiro passo foi dizer adeus ao curso de Engenharia do Ambiente e à Escola Superior Agrária de Coimbra. Nas Caldas da Rainha, partilha carteira com outras almas rendidas às Artes. Vida fora há-de alimentar a paixão pela música. Traz sempre um caderninho para escrevinhar as letras que lhe vêm à ideia. Viu-se aflita para ensinar português à criatividade, mas fez disso missão, no dia em que se viu grávida e percebeu: “O meu filho não vai perceber nada do que canto”. Também os pais, a quem chama “pilares”, não entendiam inglês. Deu voltas com a certeza atravessada no coração: “Não estou a conseguir chegar nem à minha família”. Por essas e por outras, a primeira canção na língua de Camões chama-se “Até Ao Fim” e nasceu à laia de presente para os 50 anos de casamento dos pais. Maria Isilda e António Mena, que sempre deram fole aos sonhos da filha, mal aguentaram tamanha felicidade.

Fala muito dos seus pais. Quem são?

Já estão reformados, já são velhotes. Tenho dois irmãos mais velhos, o meu pai tem 78 e a minha mãe 75. A minha mãe começou a trabalhar mais tarde, esteve comigo em casa até eu ir para a escola primária. Foi muito bom.

Em casa, tinham o rádio sempre a tocar?

Tínhamos a televisão sempre a tocar e havia alguns programas musicais importantes. Os meus pais compravam muitas cassetes e vinis. Os meus irmãos também tinham muitos discos. A minha mãe era uma fadista frustrada. Aos oito anos, punham-na sempre a cantar para abrir o espetáculo do rancho, pelo que surgiu a oportunidade de ir cantar para uma rádio no Porto. Mas os meus avós não deixaram e ela ficou sempre com essa marca.

Andou muito para aqui chegar. Alguma vez teve alguma inveja de outros?

Claro! E tinha um ódiozinho de estimação pela Áurea, porque comparavam-me constantemente a ela e ficava mesmo fula da vida. Entretanto, conheci a Áurea, que é um amor, o que me fez sentir muito estúpida por ter aquele sentimento estranho… Passei por uma fase um bocado negra em relação à música.

Foi aí que pensou desistir?

Pensei em desistir em várias fases, mas nas vésperas do primeiro disco estava a ficar mais amarga.

O que é que a fez não desistir?

Não conseguir.

Não poder viver sem cantar?

Sentia-me imensamente triste cada vez que pensava: “Não vou fazer música para o resto da vida”. Não consegui.

Foi pela primeira vez ao Festival da Canção com 15 anos. Como é que foi essa experiência?

Nada importante. Às vezes, até me esqueço. Na altura, não dei importância nenhuma ao festival. Não tive participação criativa na canção, fui só intérprete e encarei aquilo como uma adolescente que foi cantar fora de casa.

Na altura era Izamena.

Era, sim.

Já a esqueceu?

Ainda existe. Izamena, este nome terrível, é a junção dos meus nomes. A minha mãe chama-me Iza e tenho o meu apelido é Mena. Então, o produtor achou que Izamena era um nome bonito. Mas a Izamena era muito insegura. Fui uma adolescente muito complexada e essa adolescente complexada ainda existe um bocadinho.

© Créditos: Joana Jacques

Complexada em relação a quê?

Insegura a nível social, a nível corporal…

Mas consegue dar um ar bastante seguro.

Aprendi a fingir bem, a vestir outra capa.

Izamena, Mimicat… São pseudônimos artísticos ou heterónimos?

Um bocadinho as duas coisas (risos).

Quem são, hoje em dia, as suas referências na música?

Vão mudando, depende daquilo que vou ouvindo mais. Mas continuo a ter a mesma vontade de ouvir sempre os mesmos, como a Ella Fitzgerald, que é a minha cantora de eleição.

E na vida?

Na vida, são as pessoas que me rodeiam, os meus pais e o meu marido.

Voltemos à composição. A inspiração existe ou é só suor?

É um misto das duas coisas… Sem suor, é difícil, às vezes, a [inspiração] não vem.

O que é que a inspira?

Tudo, mas, essencialmente a minha relação com as outras pessoas e a maneira como as vejo. Escrevo muito sobre aquilo que penso, sobre a minha relação com quem está à minha volta. Às vezes, ouço conversas de outras pessoas e roubo (risos). Já me apoderei de algumas histórias… A vida, em geral, tem tanto para nos inspirar.

“Ai, coração, que não me deixes em paz”. O seu anda sempre desassossegado?

Anda. O meu coração não é muito tranquilo.

É romântica?

Nem por isso, mas sou sonhadora… Sonhadora e prática ao mesmo tempo, porque há coisas para fazer e prazos para cumprir e uma vida que tem que acontecer.

Está prestes a subir ao palco da Eurovisão. Está crente na vitória?

Não, nem pensar (risos).

O que é que seria um bom resultado?

Ficar no Top 10.

Se ganhar, ou mesmo se ficar no top 3, vai ver títulos do género “Uma história de conto de fadas’. É assim que se vê?

Não fantasio muito com isso, sou demasiado pés no chão. É óbvio que ficar no top 3 era maravilhoso e nunca se sabe porque aquilo é completamente imprevisível… Mas não tenho grandes esperanças.

Onde é que quer chegar?

O mais longe possível. Quero chegar a um lugar que seja só meu, onde não preciso de me explicar. Com esta canção aconteceu uma conexão forte com o público e espero continuar a dar asas a essa ligação.

Quem é que deu esta entrevista, a Marisa ou a Mimicat?

As duas.

Fonte: Redação

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